Diferenças entre regras e procedimentos de viagem condiciona a retoma do turismo
No dia em que termina o mês de férias por excelência em Portugal e simultaneamente de maior procura turística, em jeito de balanço e porque temos alertado semanalmente para as diferenças entre países e instituições em relação às viagens internacionais em tempos de pandemia Covid-19, o ponto da situação que fazemos nesta data não se mostra prometedor em termos mundiais.
Constata-se, a nível global, a falta de um sistema de certificação de vacinas reconhecido internacionalmente, que muito está a dificultar a recuperação das viagens, uma vez que muitos turistas ficam confusos quanto aos requisitos de quarentena e restrições de viagem. De uma forma agregada, a falta de confiança existente, o evitar de constrangimentos provocados pelas situações dispares e variadas entre países e até, por vezes, alterações decretadas à última hora, levaram à perda de confiança dos consumidores que acabaram por optar, na sua maioria, por viagens domésticas, prejudicando sobremaneira os destinos turísticos que dependem dos visitantes internacionais. Esta posição é também defendida pela GlobalData, uma das maiores empresas mundiais de dados e respectivas análises.
Se as vacinas foram um sinal de esperança para o sector, contudo, as regras fragmentadas e a falta de acordos mútuos continuam a restringir as viagens, sendo as restrições de viagem o segundo maior dissuasor para 55% dos inquiridos numa sondagem recente realizada pela GlobalData.
Se por um lado foram criados processos digitais facilitadores das viagens, como por exemplo o Certificado Digital Covid da U.E., a IATA avançou com o Travel Pass, que agora pode incluir o passaporte e os vistos, o Reino Unido criou o NHS COVID Pass, e agora ganha força o novo Selo Digital Visível (VDS) da ICAO (Organização Internacional da Aviação Civil, organismo pertencente às Nações Unidas), que originalmente foi adoptado pelos países para verificação de documentos de viagem e está agora a obter aceitação internacional mais alargada com a introdução da certificação da vacinação.
Na realidade, os viajantes têm ficado confusos sobre como fornecer o seu estatuto de vacinação com regras tão variáveis que encontram nos vários destinos e até dentro de cada país (por exemplo, Portugal Continental, Madeira e Açores têm regras diferentes). Embora pareça que as restrições tenham diminuído, a complexidade de provar o estado da vacinação continua a ser uma barreira à retoma do turismo.
Diferentes nações ditam regras variáveis de comprovação do processo de vacinação, desde registos em papel até registos digitais. Os registos digitais não são fáceis de obter em algumas nações e estão a acrescentar complexidade a quem viaja, o que poderá levá-los a repensar os seus planos. A falta de registos digitalizados em alguns países, incluindo estranhamente os EUA, torna trabalhosa a prova do estatuto de vacinado. O passe de viagem da IATA foi aclamado como uma solução da indústria, mas a sua aceitação tem sido fraca e a integração governamental tem sido limitada. Com a entrada de outros fornecedores no espaço, criou um sistema fragmentado que exige que os próprios viajantes carreguem diversos tipos de provas e geram diversos tipos de passe digital. Os viajantes acabam por escolher os destinos mais facilitadores e, em último caso, optam pelo turismo doméstico.
Um problema acrescido é a falta de acordo internacional sobre o tipo de vacinas que são reconhecidas pelos diversos países, havendo algumas que não são aceites em muitas regiões do globo e até em países específicos.
Finalmente as questões da reciprocidade e as viagens transatlânticas
A medida aprovada pelo Conselho da União Europeia esta semana, no sentido de restringir novamente a chegada de viajantes dos Estados Unidos, além de outros cinco países terceiros - Israel, Líbano, Montenegro, República da Macedónia do Norte e Kosovo - representa um golpe significativo para as companhias aéreas e empresas de viagens e turismo, que têm pressionado para a reabertura total das lucrativas rotas transatlânticas. Já na semana passada, o anúncio da proposta apresentada pela presidência eslovena, e o seu voto nesta segunda-feira, foi suficiente para que as acções cotadas em bolsa das principais companhias aéreas europeias - Air France KLM, IAG e Lufthansa - experimentassem forte pressão no sentido da baixa do valor das suas acções.
O bloqueio das viagens de longo curso não tem permitido a recuperação das tradicionais empresas europeias de transporte aéreo (que acumulam prejuízos em meses sucessivos), ao mesmo ritmo das companhias aéreas de baixo custo. Precisamente porque os voos intercontinentais sempre foram o principal negócio das maiores companhias aéreas, enquanto os voos ponto-a-ponto das companhias aéreas de baixo custo beneficiaram da reabertura das fronteiras e do lançamento dos certificados digitais europeus, que facilitaram a mobilidade dentro da Europa durante o Verão.
A decisão do governo Biden de manter as restrições nas fronteiras dos E.U.A., apesar das pressões para permitir chegadas de viajantes da UE, nem mesmo levando em conta o princípio da reciprocidade, visto que CE havia suspendido as restrições às viagens para os EUA em Junho, tem-se vindo a mostrar um ponto de controvérsia política. O governo dos EUA tem argumentado com as infecções originadas pela estirpe delta do vírus como uma das razões para essa posição.
No entanto, as directrizes da UE especificam que, para permitir viagens não essenciais a países terceiros, a tendência será estável ou decrescente se a positividade dos casos positivos testados em relação ao vírus não exceder os 4%. Entretanto, os últimos números dos EUA não são animadores, porque mostram um sétimo aumento consecutivo nos dados publicados pelas autoridades médicas americanas, tendo sido ontem lançado um alerta do director regional para a Europa da OMS, Hans Kluge, que afirmou em conferência de imprensa que "o número de mortes na região aumentou 11% na semana passada, com uma projecção credível que estima que ocorram 236.000 mortes na Europa até Dezembro". Este aumento da incidência de novos casos está também relacionado com uma maior presença da variante Delta, mais contagiosa, o alívio de medidas de restrição de movimentos dos cidadãos e o aumento das viagens, considera a OMS.
Por todas estas razões é necessário e recomendável que existam regras e procedimentos comuns internacionais, sendo incompreensível que organizações internacionais não cheguem a um entendimento quanto à harmonização de processos quando estamos perante uma pandemia.
31 Agosto 2021